Ninguém
nega que o jornalismo brasileiro seja uma arte morta. Quase todas as
redações são povoadas por figuras desprovidas de qualquer
intelecto. Jazem sob as sombras de um passado não tão distante
quando escreviam nas redações gênios como Gustavo Corção, Otto
Maria Carpeaux, Nicolas Boer ou Roberto Campos. Hoje em dia a
esmagadora maioria dos jornalistas, seja na mídia escrita ou falada,
é composta de apedeutas sem nenhuma cultural cujas credenciais se
resumem a um diploma de ‘uniesquina’ ou de terem sido perseguidos
na era da ditadura. Os poucos que conservam alguma decência são os
egressos da academia que foram rejeitados por se recusarem a carregar
as malas de seus professores.
Este
processo de colapso é algo longo que tem várias causas. Ele começa
quando José Arthur Giannotti verteu para o Tractatus de
Wittgenstein, criando o que talvez tenha sido a tradução filosófica
mais porca da história do Brasil. Rapidamente o neopositivismo que
já estava em voga entre os jornalistas do resto do mundo chegou ao
Brasil. A máxima wittgensteiniana tornou-se voga: “O mundo é a
totalidade dos fatos, e não das coisas”. As publicações
paulistanas, das quais a Folha de São Paulo é o arquétipo,
lançaram aos quatro ventos a doutrina do ‘jornalismo imparcial’,
que só falaria dos ‘fatos’. Esta ilusão foi digerida não
apenas pelos jornalistas, mas sobretudo pelos leitores, o que fez a
mídia tupiniquim ser vista como a morada dos guardiões da verdade.
Com efeito, esta doutrina, um dia tão típica dos Estados Unidos,
até naquelas terras já é considerada caduca. Poucos são os
veículos de mídia que tentam perpetuar a sua suposta ‘faticidade’
ou ‘isenção’, figuras tão típicas das publicações
tupiniquins.
Como
o trabalho do redator passou a ser ‘relatar os fatos’, ter um
mínimo de conhecimento e cultura parou de ser conditio sine qua
non para
escrever em um periódico. Os escritórios da grande mídia passaram
então a ser repletos por
mancebos
ignorantes que saíam à caça da ‘práxis’ e por
moças
que obtinham informações pela oferta dos seus dons nas camas dos
grandes do Brasil e do Mundo. Diga-se de passagem que a última
classe corresponde à quase totalidade das decanas do jornalismo
brasileiro. Os velhos ícones eram reduzidos a colunas de uma página
para dar às publicações um verniz de respeitabilidade. Era a
infantilização de uma arte.
À
fase pueril se seguiu a etapa geriátrica. O autor brasileiro é
alguém que morre cedo. Após os nomes da direita morrerem nos anos
80, os da esquerda pereceram nos anos 90 e 2000. Talvez nada seja tão
simbólico desta transição quanto o falecimento prematuro de Paulo
Francis, o aríete do Pasquim, que fizeram o trajeto do trotskyismo
para o neoconservadorismo como tantos outros. Ao começar a se tornar
um proto-expoente da alt right, os
diretores da Petrobras o processou na soma exorbitante de 100 milhões
de dólares por ter revelado ao mundo o ancestral do Petrolão. O
rabugento mais amado do país sofreu uma síncope e faleceu.
Os
últimos ícones caíram como
dominó.
Os mancebos ‘caçadores de fatos’ envelheceram e se tornaram
ídolos do pau oco. O povo, mesmerizado, passou a ver os jornalões
como cortes cujos veredictos seriam quase infalíveis. Há ainda um
tribunal de apelo. Se os periódicos nacionais são infalíveis, os
estrangeiros são inerrantes. O que sair no New York Times, o Le
Monde e principalmente no El Pais é tido ipso facto
como
dogma e axioma. O finado Henfil, pouco antes da sua morte, produziu
um
filme hilário chamado “Tanga (Deu no New York Times?)”. Era uma
comédia sobre um ditador que baseava as suas decisões na edição
do referido jornal que chegava à sua ilha todos os dias por pombo
correio, julgando haver lá um espelho da verdade. Os guerrilheiros
então lutam para lhe roubar o exemplar diário. É seguro dizer que
o seu diretor, que muito cedo foi para o céu dos jornalistas mortos,
tinha
grande consciência do buraco em que nós todos estávamos caindo.
Saudades do Pasquim…

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