sábado, 3 de novembro de 2018

Saiu no New York Times



Ninguém nega que o jornalismo brasileiro seja uma arte morta. Quase todas as redações são povoadas por figuras desprovidas de qualquer intelecto. Jazem sob as sombras de um passado não tão distante quando escreviam nas redações gênios como Gustavo Corção, Otto Maria Carpeaux, Nicolas Boer ou Roberto Campos. Hoje em dia a esmagadora maioria dos jornalistas, seja na mídia escrita ou falada, é composta de apedeutas sem nenhuma cultural cujas credenciais se resumem a um diploma de ‘uniesquina’ ou de terem sido perseguidos na era da ditadura. Os poucos que conservam alguma decência são os egressos da academia que foram rejeitados por se recusarem a carregar as malas de seus professores.

Este processo de colapso é algo longo que tem várias causas. Ele começa quando José Arthur Giannotti verteu para o Tractatus de Wittgenstein, criando o que talvez tenha sido a tradução filosófica mais porca da história do Brasil. Rapidamente o neopositivismo que já estava em voga entre os jornalistas do resto do mundo chegou ao Brasil. A máxima wittgensteiniana tornou-se voga: “O mundo é a totalidade dos fatos, e não das coisas”. As publicações paulistanas, das quais a Folha de São Paulo é o arquétipo, lançaram aos quatro ventos a doutrina do ‘jornalismo imparcial’, que só falaria dos ‘fatos’. Esta ilusão foi digerida não apenas pelos jornalistas, mas sobretudo pelos leitores, o que fez a mídia tupiniquim ser vista como a morada dos guardiões da verdade. Com efeito, esta doutrina, um dia tão típica dos Estados Unidos, até naquelas terras já é considerada caduca. Poucos são os veículos de mídia que tentam perpetuar a sua suposta ‘faticidade’ ou ‘isenção’, figuras tão típicas das publicações tupiniquins.

Como o trabalho do redator passou a ser ‘relatar os fatos’, ter um mínimo de conhecimento e cultura parou de ser conditio sine qua non para escrever em um periódico. Os escritórios da grande mídia passaram então a ser repletos por mancebos ignorantes que saíam à caça da ‘práxis’ e por moças que obtinham informações pela oferta dos seus dons nas camas dos grandes do Brasil e do Mundo. Diga-se de passagem que a última classe corresponde à quase totalidade das decanas do jornalismo brasileiro. Os velhos ícones eram reduzidos a colunas de uma página para dar às publicações um verniz de respeitabilidade. Era a infantilização de uma arte.

À fase pueril se seguiu a etapa geriátrica. O autor brasileiro é alguém que morre cedo. Após os nomes da direita morrerem nos anos 80, os da esquerda pereceram nos anos 90 e 2000. Talvez nada seja tão simbólico desta transição quanto o falecimento prematuro de Paulo Francis, o aríete do Pasquim, que fizeram o trajeto do trotskyismo para o neoconservadorismo como tantos outros. Ao começar a se tornar um proto-expoente da alt right, os diretores da Petrobras o processou na soma exorbitante de 100 milhões de dólares por ter revelado ao mundo o ancestral do Petrolão. O rabugento mais amado do país sofreu uma síncope e faleceu.

Os últimos ícones caíram como dominó. Os mancebos ‘caçadores de fatos’ envelheceram e se tornaram ídolos do pau oco. O povo, mesmerizado, passou a ver os jornalões como cortes cujos veredictos seriam quase infalíveis. Há ainda um tribunal de apelo. Se os periódicos nacionais são infalíveis, os estrangeiros são inerrantes. O que sair no New York Times, o Le Monde e principalmente no El Pais é tido ipso facto como dogma e axioma. O finado Henfil, pouco antes da sua morte, produziu um filme hilário chamado “Tanga (Deu no New York Times?)”. Era uma comédia sobre um ditador que baseava as suas decisões na edição do referido jornal que chegava à sua ilha todos os dias por pombo correio, julgando haver lá um espelho da verdade. Os guerrilheiros então lutam para lhe roubar o exemplar diário. É seguro dizer que o seu diretor, que muito cedo foi para o céu dos jornalistas mortos, tinha grande consciência do buraco em que nós todos estávamos caindo. Saudades do Pasquim…



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