quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A UVA Amarga



Sabendo que já sou visto pela população de Sobral como um caso perdido in extremis, sinto-me livre para me lançar como franco atirador moral. Em um lugar onde só se consegue emprego tendo padrinhos – Não necessariamente sacramentais –, sou obrigado a ficar em uma parcial inércia. Resta-me a última ocupação de ser uma mosca socrática extraviada em uma Sodoma Equatorial. Seria um trabalho civilizador rebater as pretensões alheias, não apenas dos conterrâneos do meu microcosmo, mas desta Terra de Ninguém descoberta por Cabral e até mesmo desta humanidade que passa por uma temporada de vacas magras...
 
Ora, é sabido que a vida cultural da vila de Sobral está morta e enterrada. Os tristes mancebos vagantes neste purgatório mal imaginam que na Era de Dom José e dos Saboias os seus antepassados comiam as iguarias feitas por chefs estrangeiros em convescotes onde só se podia falar francês, e assistiam até mesmo às apresentações de Nat King Cole. Os poderosos daqui tinham os seus quadros legítimos de Portinari e a alta sociedade sobralense deixou Vargas boquiaberto com os seus jogos de Cristais da Boêmia. Com a morte do velho Bispo e o fim do Ciclo do Algodão toda esta opulência se esvaneceu e os filhos dos velhos grandes mal sabiam falar português. As reformas promovidas pelo holandês Petrus Van Ool no Colégio Sobralense foram a pá de cal neste processo de emburrecimento coletivo: Foram precocemente retirados o francês, o latim e as artes liberais. Foi formada uma geração de apedeutas cuja prole superou os pais em estupidez.

O último sopro de vida cultural que esta cidade teve foi a fundação da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA). Nosso octogenário Padre Sadoc e o finado Professor Teodoro Soares conseguiram por um breve período causar uma nova ebulição na vida cultural sobralense. Ariano Suassuna, Gerardo Melo Mourão e Rachel de Queiroz foram agraciados com o título de Doutor Honoris Causa, e vinham dar ocasionais sopros de sabedoria em um deserto onde morreu qualquer tipo de ilustração. Notáveis aposentados de outras instituições eram trazidos para lecionar neste Condado de Rastaqueras para completos caipiras. Parecia que o vilarejo de Sobral estava passando por uma ressurreição intelectual.

Este breve interlúdio de civilidade foi no entanto dissipado pela eleição de Cid Gomes para o Governo do Estado. Este filho de Sobral, imortalizado pelo seu épico discurso a respeito do PT, chegou ao poder com o expresso plano de destruição das universidades estaduais cearenses. A razão? O seu guru, Roberto Mangabeira Unger, professor da Harvard Law School, julgava que as Universidades Estaduais seriam ‘um erro histórico’ a ser superado. Resta saber o que este nobre erudito diria a respeito da USP ou da UNICAMP, tão reverenciadas pels esquerda. Após as vagas direções deste bravo intelectual igualmente bem-intencionado e atrapalhado, foi decidido que a UVA deveria ser, depois de sucateada, federalizada para se criar a UFS – Universidade Federal de Sobral. Seria uma manobra tresloucada que já começaria com um imbróglio: Teria com a instituição homônima sergipana a mesma relação que já tinha com a Veiga de Almeida. É desnecessário dizer que este projeto fracassou, ainda que a UVA tenha prosseguido em sua espiral da decadência e caído na absoluta irrelevância e a pobre vila onde era situada tenha chegado a uma absoluta pobreza cultural, caracterizada pela grande quantidade de pirralhos pseudossofisticados a falar de ‘janta’.

Foi nesta instituição em declínio a que, na minha pobreza, recorri para me formar. Diante das greves, só me restava fingir que estudava. Qual foi a minha surpresa então ao saber que anteontem o Prefeito de Sobral, Ivo Ferreira Gomes, irmão de Cid e do candidato perpétuo Ciro, foi condecorado com a honraria de Doutor Honoris Causa pela UVA. Nenhum dos seus mais renomados irmãos tinha alcançado tal dignidade, nem tinha a minha nobre alma mater premiado o ex-presidente Lula, agora residente em Curitiba… Comecei a perscrutar os méritos pelos quais nosso recente prefeito tinha sido premiado. Não encontrei nenhuma produção intelectual deste. Em seu curriculum brilha um Mestrado – Magister Legum? - pela mesma Harvard Law School de Mangabeira. Os cidadãos do condado, no seu vulgar liliputianismo, creem ser esta uma prova ímpar de inteligência. Não critico, masas continuo sem achar que Gerardo Melo Mourão e o nosso excelentíssimo alcaide estão no mesmo nível de saber. Mas se for este o caso, não vamos discutir: Deem-me também tão excelsa honraria…

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