Sabendo
que já sou visto pela população de Sobral como um caso perdido in
extremis, sinto-me livre para me
lançar como franco atirador moral. Em
um lugar onde só se consegue
emprego tendo
padrinhos – Não necessariamente sacramentais –, sou obrigado a
ficar em uma parcial inércia. Resta-me
a última ocupação de ser uma
mosca socrática extraviada
em uma Sodoma Equatorial. Seria
um trabalho civilizador rebater as pretensões alheias, não apenas
dos conterrâneos do meu microcosmo, mas desta Terra de Ninguém
descoberta por Cabral e até
mesmo desta humanidade que passa por uma temporada de vacas magras...
Ora,
é sabido que a vida cultural da vila de Sobral está morta e
enterrada. Os tristes
mancebos vagantes neste
purgatório mal imaginam que
na Era de Dom José e dos Saboias
os seus antepassados comiam
as iguarias feitas por chefs
estrangeiros em convescotes onde só se podia falar francês, e
assistiam até mesmo às apresentações de Nat King Cole. Os
poderosos daqui tinham os seus quadros legítimos de Portinari e a
alta sociedade sobralense deixou Vargas boquiaberto com os seus jogos
de Cristais da Boêmia. Com a morte do velho Bispo e o fim do Ciclo
do Algodão toda esta opulência se esvaneceu e os filhos dos velhos
grandes mal sabiam falar português. As reformas promovidas pelo
holandês Petrus Van Ool no Colégio Sobralense foram a pá de cal
neste processo de emburrecimento coletivo: Foram precocemente
retirados o francês, o latim e as artes liberais. Foi formada uma
geração de apedeutas cuja prole superou os pais em estupidez.
O
último sopro de vida cultural que esta cidade teve foi a fundação
da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA).
Nosso octogenário Padre Sadoc e o finado Professor Teodoro Soares
conseguiram por um breve período causar uma nova ebulição na vida
cultural sobralense. Ariano Suassuna, Gerardo Melo Mourão e Rachel
de Queiroz foram agraciados
com o título de Doutor Honoris Causa, e vinham dar ocasionais
sopros
de sabedoria em um deserto
onde morreu qualquer tipo de ilustração.
Notáveis aposentados de
outras instituições eram trazidos para lecionar neste
Condado de Rastaqueras para completos caipiras. Parecia que o
vilarejo de Sobral estava passando por uma ressurreição
intelectual.
Este
breve interlúdio de civilidade foi no entanto dissipado pela eleição
de Cid Gomes para o Governo do Estado. Este filho de Sobral,
imortalizado pelo seu épico discurso a respeito do PT, chegou ao
poder com o
expresso plano de destruição
das universidades estaduais cearenses. A razão? O seu guru, Roberto
Mangabeira Unger, professor da Harvard Law School,
julgava que as Universidades Estaduais seriam ‘um erro histórico’
a ser superado. Resta saber o que este nobre erudito diria a respeito
da USP ou da UNICAMP, tão reverenciadas pels esquerda. Após as
vagas direções deste bravo intelectual igualmente bem-intencionado
e atrapalhado, foi decidido que a UVA deveria ser, depois de
sucateada, federalizada para se criar a UFS – Universidade Federal
de Sobral. Seria uma manobra tresloucada que já começaria com um
imbróglio: Teria com a instituição homônima sergipana a mesma
relação que já tinha com a Veiga de Almeida. É desnecessário
dizer que este projeto fracassou, ainda que a UVA
tenha prosseguido em sua
espiral da decadência e caído na absoluta irrelevância e a pobre
vila onde era situada tenha chegado a uma absoluta pobreza cultural,
caracterizada pela grande quantidade de pirralhos pseudossofisticados
a falar de ‘janta’.
Foi
nesta instituição em declínio a que, na minha pobreza, recorri
para me formar. Diante das greves, só me restava fingir que
estudava. Qual
foi a minha surpresa então ao saber que anteontem o Prefeito de
Sobral, Ivo Ferreira Gomes, irmão de Cid e do candidato perpétuo
Ciro, foi condecorado com a honraria de Doutor Honoris
Causa pela UVA. Nenhum dos seus
mais renomados irmãos tinha alcançado tal dignidade, nem tinha a
minha nobre alma mater premiado
o ex-presidente Lula, agora residente em Curitiba… Comecei
a perscrutar os méritos pelos quais nosso recente prefeito tinha
sido premiado. Não encontrei nenhuma produção intelectual deste.
Em seu curriculum brilha
um Mestrado – Magister Legum? - pela
mesma Harvard Law School
de Mangabeira. Os cidadãos do condado, no seu vulgar liliputianismo,
creem ser esta uma prova ímpar de inteligência. Não critico, masas
continuo sem achar que Gerardo Melo Mourão e o nosso excelentíssimo
alcaide estão no mesmo nível de saber.
Mas se for este o caso, não vamos discutir: Deem-me também tão
excelsa honraria…
